(esta é Sírius)
Amigos, façam uma pausa e perca uns poucos minutos a contemplar a mais pujante e grandiosa de todas as obras, na esperança de obter, desse exame, alguns ensinamentos, que possam servir de roteiro nas decisões e conduta geral futura.
Apenas cerca de 8.000 estrelas podem ser observadas a olho nú, no firmamento. Um simples binóculo de teatro nos mostrará mais 13.000. Um teodolito comum nos fará descortinar as de 8ª grandeza, em número de 40.000. Uma pequena luneta astronômica já nos deixará atônitos, revelando-nos cerca de 100.000 outras, de cuja existência não suspeitávamos. Um telescópio de média potência descobrirá as estrelas de 10ª grandeza, cujo número excede 400.000.
E a progressão continua. Estima-se em 1 milhão o número de estrelas de 11ª grandeza, em 3 milhões as de 12ª, em 10 milhões as de 13ª, enfim em 45 milhões o número de estrelas até as de 14ª grandeza.
Mas não são só estas todas as estrelas. Os mais possantes telescópios modernos podem observar muito mais de 100 milhões de estrelas.
Os números se tornam tão enormes que nos esmagam com seu peso... Cem milhões! Cem milhões de outros soes, análogos ao nosso; centros de outros sistemas planetários, como o nosso; presidindo alguns milhões de milhões de mundos, como o nosso!
O sol, centro de explosões atômicas permanentes, é apenas 1 milhão e 400 mil vezes maior que a terra; sua temperatura é de 5.320 graus, é somente um entre 100 milhões de outros sois. Estes números, de tão grandes, se tornam inexpressivos. Pois bem, e para citar apenas três exemplos: a estrela Aldebaran é mil vezes maior do que o sol, e a Lambda da constelação de Touro tem uma temperatura superior a 40.000 graus; finalmente, a longínqua estrela de Canopus é mais de um milhão de vezes maior que o sol!
A terra gira em torno do sol a uma distância média de 149 milhões de quilômetros, e percorre por ano 936 milhões de quilômetros. A doce e encantadora luz, que os astros nos enviam, sem a qual estaríamos condenados a viver numa obscuridade, tão negra como a de um túmulo (se ainda assim tivesse sido possível a vida), esta doce e encantadora luz, que é o único modo de comunicação, que nos faz conhecer a existência do universo, viajando na velocidade inconcebível de 300.000 km/s ou 1 bilhão de km/h – 1 milhão de vezes mais rápida que um avião supersônico – gasta, ainda assim, 8 min e 17 s para vir do sol e fazer os dias na terra. Depois do sol, a estrela mais próxima é a alfa do Centauro, cuja luz leva 4 anos e 4 meses para chegar até a terra. A estrela mais brilhante, das noites sem lua, a alfa da constelação de Sírius, está a mais de 92 trilhões de quilômetros da terra, e sua luz percorre 10 anos no espaço sideral, antes de chegar até nós. A luz viaja quase 37 anos, para chegar da estrela polar; e assim por diante numa sucessão fantástica de distâncias fantásticas, até as nebulosas mais pálidas, perdidas no fundo dos céus e cuja luz teria empregado, segundo as estimativas, mais de 2 milhões de anos para chegar até nós.
Há, portanto, uma surpreendente transformação do passado em presente. Para o astro observado é passado, já desaparecido; para o observador é o presente, o atual. O passado do astro é, rigorosa e positivamente, o presente do observador. Como os aspectos do mundo mudam de um ano a outro, de estação a estação, e mesmo dia a dia. Pode-se conceber este aspecto como escapando no espaço e avançando no infinito, para se revelar aos olhos de possíveis contempladores longínquos. Cada aspecto é seguido por outro, assim sucessivamente, como série de ondulações, que levam ao longe o passado dos mundos, tornando presente para os observadores escalonados na sua passagem. O que cremos ver, presentemente, nos astros, já é passado; o que acontece atualmente não vemos ainda. Não é o estado atual do céu que é visível, mas sua história passada.
A propagação sucessiva da luz leva com ela através do infinito, a história antiga de todos os sois e de todos os mundos, num presente eterno.
A realidade metafísica da vastidão do universo é tal que se pode conceber a onipresença da criação, durante a eterna duração.
Nada no universo é, entretanto, mais surpreendente e mais magnífico do que as nebulosas, que são ao mesmo tempo cúpula e estrutura da sua arquitetura.
Nas horas calmas e silenciosas das belas noites tranqüilas, qual o olhar pensativo, que jamais se perdeu nos vagos meandros da via láctea, na doce e celeste claridade desse arco luminoso, que parece apoiado em dois pontos do horizonte? Se apontarmos um telescópio para este arco de longínqua nuvem, aparentemente tênue e leve, centenas de milhares de estrelas, como picadas de agulhas na abobada celeste, povoarão o campo do instrumento. São ao todo 18 milhões! Como a via láctea se desenvolve, como uma cintura sobre o nosso céu, forçoso é admitir que o sol é uma estrela de via láctea. Mas existem outras 5.000 nebulosas irredutíveis, como a nossa via láctea. As mais surpreendentes e as mais belas são, sem dúvida, os cúmulos em espiral: uma espécie de fumaça de estrelas em evolução em torno de um foco central. Outras vezes, como na Grande Ursa, é uma nebulosa redonda e brilhante, que apresenta, em seu centro, duas estrelas separadas por um círculo negro. Em outros casos ainda, como na constelação do Dragão, formam um anel brilhante. No cruzeiro do Sul, poder-se-á admirar com indivisível estupefação, um acúmulo de 110 estrelas de todas as cores, formando preciosa jóia.
Eis aí a Arquitetura do Universo: desde limites jamais atingidos, nem no passado, nem no presente, nem no futuro; através de abismos, sem profundidade, sem contorno, sem céu; no vácuo sempre aberto, sempre negro, sempre insondável; durante uma eternidade sem dias, sem anos, sem séculos, sem medidas.
Tal é o aspecto grandioso, esplêndido, aterrador, desses mundos, que evoluem através o espaço, diante do olhar estupefato do habitante da terra, nascido hoje para morrer amanhã, sobre uma gota perdida na noite infinita.
Qual o ensinamento supremo desse grandioso espetáculo? Qual a conclusão? Sejamos simples.
Nas atitudes, nas realizações, na vida enfim, procuremos sempre a simplicidade como meio de expressão e como norma de conduta.
A mediocridade dos pobres de espíritos se manifesta, exatamente, pela ostentação. Pela pseudo-importância que lhe advém da ignorância da sua própria ignorância, julgando tudo saber, exatamente porque tudo desconhece. Como cegos num quarto escuro, ou como topeira num buraco, inconscientes de sua incompetência, na aparente felicidade da estupidez, como a árvore que se agita ao vento.
Bolofos, vazios e arrogantes, esses importantes da mediocridade são, afinal de contas, uns pobres coitados, que tudo temem e que sofrem os males da incurável cegueira do espírito.
Sejamos simples.
Jamais ignoremos a nossa pequenez. Desfrutemos a verdadeira e calma felicidade dos que se sentem úteis, naquela agradável sensação silenciosa de capacidade produtora, mas sem arrogância, sem alarde.
Haverá obra de arte de maior profundidade, e ao mesmo tempo de maior simplicidade, do que sorriso da Gioconda? No entanto, para realizá-la, foi preciso todo o gênio e todo o saber de Leonardo.
Sejamos simples.
Façamos refletir, todas as nossas realizações, a compreensão de nossa própria humildade, diante da grandeza do universo. Procuremos exprimir a extrema fraqueza do homem, diante da força incomensurável da criação! Devemos, entretanto, através de nossa conduta correta, em nosso ofício, e com nossa arte, convencer as gerações da inutilidade e do absurdo dos embates sangrentos, que periodicamente abalam nosso minúsculo mundo. Talvez assim os chefes efêmeros da política desistam das ambições radícolas e cumpram o seu dever de governar e de trabalhar para o bem comum.
É realmente admirável a Arquitetura do Universo; tão grandiosa, tão imponente, que se torna impraticável descrever ou interpretar a extrema sensação de fragilidade da espécie humana, em presença da exuberante verdade da grandeza da Criação universal. É somente possível sentí-la. Sentindo-a, nos convencemos de que a finalidade da vida deve ser simplesmente, a paz de espírito, que se consegue com dignidade e com modéstia e não a glória, a qualquer preço, nem o fausto da riqueza mal adquirida.
Este texto encontrei num velho livro de uma escola de arquitetura do Rio de Janeiro e é de autoria de Adhemar Fonseca, patrono da turma de formandos de 1955. Pesquisei sobre o autor e nada mais encontrei... achei-o de uma beleza e tamanho imensuráveis, apenas fiz algumas pequenas adaptações na linguagem para a nossa época, e, pensei logo em partilhá-lo com toda a humanidade, pois um tesouro desses não pode sucumbir às traças de um sebo...
(Arlindo Cesar Bonassa)
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